sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Alcoolismo e Serviço Social Uma Leitura Histórica

Alcoolismo e Serviço Social:
Um trabalho concomitante


Mafalda Sofia Félix dos Santos[a]

O artigo de Rachel E. Roiblatt e Maria C. Dinis [1], publicado na Social Service Review de Dezembro de 2004, torna-se um documento importante na medida em que estabelece uma ligação entre a evolução/especialização dos assistentes sociais a par do acompanhamento e tratamento do alcoólico. De acordo com as autoras, a função primordial destes assistentes é a de mediar a relação entre a sociedade e os alcoólicos, de modo a promover a sua reintegração. São eles que devem gerir a informação acerca dos que acusados de intoxicação e dos que são reencaminhados para os asilos.
A especialização das ciências sociais nesta matéria foi gradual, tendo significado especial a emergência do Serviço Social, em que 5.6% dos empregos a tempo inteiro são dedicados ao tratamento do alcoolismo, e 7.8% ao das drogas, segundo dados de 1996.
A nível histórico é importante frisar que grande parte da criação de asilos para tratamento de alcoólicos se deve aos assistentes sociais. Estes asilos cresceram estrondosamente entre 1870 e 1902, chegando a superar a centena nos Estados Unidos. 1870-1918 Benjamin Rush foi pioneiro no que concerne ao registo da descrição das experiências dos seus pacientes alcoólicos. Durante a Revolução Industrial surgiram outras teorias de tratamento que deram origem a organizações destinadas a combater a crescente incidência de alcoolismo nos EUA.
O movimento Washingtoniano promoveu a criação de diversas instituições fundamentadas no conceito de auto-ajuda, o que permitiu que muitos alcoólicos pudessem continuar a viver nas suas casas, ou alojados em lares temporários ou asilos, de acordo com o seu estatuto social ou os seus recursos financeiros. Depois da Guerra Civil surgiram outras instituições dotadas de maiores recursos e, consequentemente, com maior capacidade de apoio aos pacientes. O pessoal era especializado e a presença assídua de médicos e filantropos promoveu uma maior eficácia dos serviços. Nestes locais era esperado que os residentes trabalhassem o dia todo em actividades relacionadas com as instituições, fizessem exercício físico e seguissem uma dieta rigorosa. A ideia assumida por Rush e outros de que o alcoolismo era uma doença, depressa foi recusada por médicos e cientistas criando incentivos a novas formas de tratamento, mais humanizados, em vez das formas punitivas vigentes até então. A tentativa de erradicar o alcoolismo levou ao surgimento de duas organizações muito influentes: The Woman`s Christian Temperance Union, criada em 873, e a Anti Saloon League, que surge 20 anos mais tarde. Em 1900 e durante os 10 anos seguintes estes trabalhadores voluntários passaram a desempenhar um papel cada vez mais importante na resposta aos problemas dos alcoólicos. Defendeu-se, então, a criação de quintas para alcoólicos crónicos, onde estes deveriam permanecer ocupando-se de determinadas tarefas até que o conselho determinasse a sua reabilitação e possibilidade de reintegração na vida normal da sociedade. A abstinência total em relação ao álcool era uma condição sine qua non.Em 1915 o psiquiatra Irwin Neff considerava a embriaguez uma doença que resultava da fraqueza nervosa hereditária, uma falha psico-neurótica. Assim, o alcoólico não era mais do que a soma da sua personalidade e dos sintomas de embriaguez. Dois anos mais tarde, Richmond já falava da necessidade de se prestar uma atenção contínua aos casos de alcoolismo, adaptando o tratamento deste, tendo em conta a sua personalidade e tipo da sua embriaguez.
A aprovação da Lei Seca pelo Congresso dos Estados Unidos da América em 1919, com efeitos a partir de 16 de Janeiro de 1920, veio tentar regular o consumo de álcool, considerado excessivo na altura. Desenvolvida como uma forma de prevenção, a Lei Seca era fundamentalmente um acto legislativo que proibia o consumo de qualquer bebida com um grau alcoólico superior a 0.5%/vol.Nos últimos anos que antecederam a aprovação desta lei, a função dos assistentes sociais centrava-se na orientação de alcoólicos crónicos tanto a nível médico como a nível legal. Os assistentes dedicavam-se a reunir informações, a construir a história mental e psicológica dos indivíduos, a sua situação financeira, religião, emprego, educação. Procuravam também reconstruir toda a sequência que ligava o indivíduo ao consumo/abuso de álcool.Em 1914 Elizabeth Tilton referia-se ao trabalho dos assistentes como importante no sentido de informar e até de prevenir o consumo de álcool, pois achava que a educação das pessoas nesta área contribuía para reforçar a luta contra a pobreza, crime e imoralidade. Para ela educar tratava-se de um bom investimento, um bom negócio para a nação.Grady Lee Law Esta lei aprovada em 1910 previa que qualquer pessoa podia ser internada em instituições, ou em quintas, por um período de 1 a três anos, quer por sua própria iniciativa, quer através da denúncia de um familiar. Na sequência da aprovação desta lei, foi criado um conselho composto por cinco membros, responsáveis pela gestão e acompanhamento de todos os indivíduos que tivessem sido presos e condenados a internamento por um tribunal. Esta lei também proporcionava cuidados médicos e tratamento a alcoólicos que não tivessem presentes a qualquer tribunal. Os assistentes sociais passaram a desempenhar o papel de oficiais de justiça, vigiando e aconselhando, investigando casos e informando o tribunal acerca da conduta dos pacientes/internados, e pronunciando-se sobre a sua permanência em asilos, ou sobre o seu encaminhamento para as já referidas quintas. Homer Folks descreveu estas quintas como locais que ofereciam aos alcoólicos autoridade, disciplina, ocupação mental e moral, tratamento hospitalar moderno e atendimento médico. 1919-1935.
Em 1923 a National Federation of Settlements realizou um estudo para avaliar o impacto da Lei Seca, estudo este que foi feito através de um questionário distribuído por 170 trabalhadores por todo o país. O estudo destinava-se a medir as mudanças da vida social dos bairros desde que os estabelecimentos/bares tinham sido encerrados, especialmente os índices de delinquência, crime, poupança nas famílias, boa vizinhança, etc, antes e depois da promulgação da Lei Seca.Dez anos depois, o agora apelidado Liquor Control Comittee volta a circular um novo questionário com o fim de avaliar o interesse do público para a educação para o consumo moderado de álcool. O que era suposto ser um follow up do estudo anterior reunia agora apenas 10 perguntas, dado o crescente desinteresse por parte daqueles a quem o estudo se destinava.
Em 1928, altura de eleições, já era evidente que a Lei Seca como política anti consumo de álcool havia falhado. Depois de 1935, altura em que foram criados o programa “Alcoólicos Anónimos”, o panorama mudou drasticamente. A abordagem aos alcoólicos passou a ser feita de forma diferente, convictos de que os AA teriam uma taxa de sucesso bem superior à dos tratamentos tradicionais de índole psicoterapêutica. Alguns assistentes sociais que queriam continuar o seu trabalho junto dos alcoólicos foram afastados pois nos seus lugares estavam agora profissionais de saúde.
Em 1955 surge a National Association of Social Workers (NASW), e com esta a organização de encontros anuais que reuniam diversas entidades e organizações de todo o mundo, em que discutiam perspectivas sobre o alcoolismo, a embriaguez, e a sua relação com outros factores sociais, como a pobreza e a desintegração social. A grande questão era saber se o alcoolismo era a sua causa ou a consequência. O sumário apresentado pelas autoras do artigo refere pontos essenciais para a compreensão da divergência entre os assistentes sociais e o tratamento do alcoolismo. Primeiramente focam que o interesse das autoridades com fundos públicos e das fundações com fins de caridade diminuiu após o reconhecimento de que o alcoolismo não era a causa da pobreza. As federações que se desenvolveram em meados dos anos 30 tinham pouco em comum com os activistas anti-pobreza bem como com os progressistas sociais, que tinham, na geração anterior, agitado o panorama do tratamento do alcoolismo.Em segundo lugar, o tratamento em quintas/colónias foi abandonado e substituído pelos Alcoólicos Anónimos em 1935, altura em que foram criados.
A ideia generalizada de que os alcoólicos eram fracos e imorais foi imediatamente afastada pelos AA que avançaram com uma perspectiva de suporte comportamental a estas pessoas.Em terceiro lugar, concluiu-se que os assistentes sociais se afastaram do tratamento dos alcoólicos para se dedicarem a outras necessidades. A elevada taxa de reincidência e o estigma social, bem como a falta de ferramentas ao dispor destes profissionais, também contribuíram para esse facto. A crescente visibilidade de assistentes do sexo feminino também poderá ter contribuído para a referida mudança, uma vez que a maioria dos alcoólicos eram do sexo masculino.Ainda nos nossos dias o tratamento de alcoólicos e o trabalho social encontram-se em caminhos paralelos, mas são áreas que se tocam em determinados campos.
Fontes bibliográficas: Roiblatt, Rachel E. e Dinis, Maria C. ; The lost link : social work in early twentieth-century alcohol policy; Social Service Review; Dezembro 2004. http://www.virtual.epm.br [1] Roiblatt, Rachel E. e Dinis, Maria C. ; The lost link : social work in early twentieth-century alcohol policy; Social Service Review; Dezembro 2004

[a] Mafalda Sofia Félix dos Santos, licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa, com especiaidade em Jornalismo. Pósgraduada em Criminologia pela Universidade Lusófona. Especialista em Enologia. Publica em co-autoria Mutilação Genital Feminina, Mafalda Sofia Santos e Paulo César Matos, vejase in http://www.cpihts.com/. Especialista em Enologia. Colaboradora do CPIHTS.

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